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Medo, Saturno & Lars Farf, o excessivamente temeroso


Foto por Stephen Radford

“Lars Farf nem sempre havia sido excessivamente temeroso. No começo ele era temeroso na medida normal. Só que um dia quando voltou do trabalho no campo encontrou sua casa reduzida a um monte de cinzas fumegantes.

Onde estava sua mulher, onde estavam seus filhos?

Para sorte dele, sua mulher e seus filhos não estavam embaixo da pilha de cinzas fumegantes, mas correndo felizes pela estrada, aliviados com a descoberta de que ele não estava bem embaixo da pilha de cinzas fumegantes.

Mas o mal estava feiro: ele tinha ficado excessivamente temeroso.”

George Saunders no conto Lars Farf, pai e marido excessivamente temeroso, fala sobre um homem que começa a ficar cada vez mais cauteloso para proteger a vida de sua família. Quando li esse conto, cada frase me pegou em cheio, me lembrei das sensações de quando vemos algum grande incidente coletivo no jornal ou quando um amigo conta algo horrível que lhe aconteceu. Tendemos a ouvir essas coisas e ficar matutando sobre elas, elaborando soluções, como poderíamos reagir, como seria estar naquela mesma situação e como reagiríamos. "Será que teríamos sobrevivido?"

O medo é uma coisa sedutora, achamos que pensar sobre algo que queremos evitar pode nos fazer superá-la e claro que isso, em parte, é verdade. Podemos elaborar estratégias a partir dessa tela mental trágica, podemos ver como reagiríamos. O problema dessa ruminação mental é a intensidade com que pensamos no que NÃO queremos que aconteça e esquecemos de focar na meta em si.

Quando você pensa nos seus planos, o que toma conta da sua mente: a possibilidade de algo legal acontecer ou você se afoga em ansiedade pensando em tudo aquilo que pode fugir do seu controle? Você fica paralisado por esse medo ou consegue usá-lo de forma estratégica?

No desenrolar desse conto, vemos o personagem tentando se precaver de forma exagerada. À cada notícia de jornal ou pequeno acontecimento diário, Lars cria uma nova regra de segurança maluca, troca todos os materiais de sua casa e, no fim, acaba isolando seus familiares em cápsulas. A interatividade deles com o mundo e entre si é interrompida assim, mas vale a pena, já que eles estão seguros, não é mesmo?

“Por fim, tudo ficou impecável. Nada de ruim poderia acontecer com

a sua família, nunca. Claro, nada de bom poderia acontecer com a sua família, nunca, também.”

O medo pela perspectiva do nosso mapa astral

No mapa natal, todos os astros podem falar um pouco sobre a origem dos nossos medos, dependendo do signo e da área da vida que se encontram eles vão contar histórias diferentes para o astrólogo que lê sua carta natal. Porém Saturno e Plutão tendem a ser os nossos narradores favoritos quando vamos nos aprofundar nesse tema.

​Saturno simboliza muito a forma como construímos nossos alicerces, os que nos fazem sentir seguros e no controle das situações. E isso acaba refletindo em como é a responsabilidade dessa pessoa, o que na sociedade atual tende a ganhar grandes proporções. Desde cedo somos muito pressionados para sermos respeitados por aí como pessoas que cumprem seus deveres sociais, suas obrigações no trabalho e na família e não é incomum termos até orgulho em falar o que fazemos em excesso “trabalhei 12 horas ontem, cuidei da casa, coloquei as crianças para dormir” etc. E não tem nada de errado em querer cumprir o que foi proposto, o problema é que muitas vezes somos motivados a fazer isso pelo medo de sermos julgados irresponsáveis, do medo também do que pode acontecer se não fizermos aquilo. “Se não trabalhar 12 horas, vão me considerar incompetente; sei que não dá tempo de terminar isso no meu expediente, mas preciso mostrar para o meu chefe que tentei, se não sou mandado embora, vou passar fome, vou perder minha casa” .

Em Saturno podemos ver muito desses nossos medos subconscientes de descumprir modelos que a sociedade considera ideal. Estudos, trabalho, comunicação, expressão, salário, amor... tudo depende do signo e da área que esse Saturno estará, mas a questão é que isso mexe com uma área do nosso cérebro relacionada a sobrevivência. Nossos antepassados deram passos incríveis através da observação do que poderia dar errado, construíram cidades e sistemas sociais que de alguma forma o faziam acreditar que tudo estava mais seguro. De forma subconsciente ainda somos muito ligados ao medo para realizar nossas coisas. Ao invés de pensar no melhor que pode acontecer com novos objetivos, primeiro pensamos no que vai acontecer se der errado e o medo muitas vezes toma conta nesse momento. Hoje temos mais facilidades para agirmos, mais liberdade para sermos quem somos e mais recursos para conquistarmos algo diferente, porém tendemos a paralisar completamente focando nesse medo.

Podemos usá-lo para nos ajudar na lista de pós e contra, para nos aprimorarmos e vermos com antecedência como conseguiríamos superar tal coisa ruim. Podemos descobrir habilidades incríveis quando alguma limitação surge, mas não somos tão motivados a experienciar o pensamento dessa forma. A frustração tende a ser mais forte do que a inspiração para superação quando vemos a lista de medo se formando. Pensamos apenas que “se não estudarmos vamos tirar zero na prova”, “se eu for me aventurar e descumprir as regras que meus pais criaram, vou apanhar, serei castigado” simples assim e levamos todo esse pensamento da infância para o resto da vida.

Cautela e zelo deveriam ser mais palavras associadas a Saturno do que o medo, mas infelizmente nosso cérebro dramático prefere escolher o pior de todas as situações para se posicionar e se sentir seguro.

The Mutiliation of Uranus by Saturn, Giorgio Vasari.

Na mitologia esse astro está relacionado ao titã Cronos, nomeado Saturno para a mitologia romana. Ele brandia uma foice e trazia o provérbio “Do jeito que você semeia, você colhe” remetendo o que ele próprio fez com o pai. Urano colocava seus filhos de volta no ventre de Gaia a cada nascimento, até que Saturno se rebelou com a ajuda da mãe e cortou seus testículos e assumiu seu domínio.

*Aqui os contos divergem, alguns dizem que a pedra provocou vômitos em Cronos e ele imediatamente expeliu seus filhos, os quais se rebelaram através da liderança de Zeus, mas gosto mais da versão que Zeus foi escondido e criado por figuras mitológicas que o fizeram ganhar sabedoria até que, mais velho, ele voltou e provocou esse vômito, ou abriu a barriga de seu pai. Bem, pesquisam e escolham sua versão favorita.

O trânsito desse astro no nosso mapa marca ciclos importantes de amadurecimento e muitos já são familiarizados com a expressão “retorno de Saturno”. Ele demora cerca de dois anos e meio em um signo e cerca de 28 anos para dar a volta completa em todo o zodíaco, o tal retorno de Saturno nada mais é do que esse “aniversário” de Saturno no mesmo grau e signo de seu nascimento. Esse trânsito em particular questiona o quanto estamos assumindo a responsabilidade pelo que queremos de verdade, isso é incrível! Somos sacudidos para nos aprimorar, para encarar a área da vida que estamos acomodados, porém o que sentimos a princípio se estamos seguindo um caminho muito distante do que queremos? Crise e medo de que nosso poder pessoal pode alcançar. Tudo ao redor parece nos pressionar para a mudança. Mesmo quando já estamos cientes do que queremos e começamos a trabalhar isso, tendemos a sentir essa pressão e o medo do fracasso pode sim aparecer e nos atrapalhar.

Vale lembrar que essas sensações podem aparecer nas áreas da vida que esse Saturno está passando e também nos astros do nosso mapa que ele “cruza” nesse caminho. Ou seja, não é apenas no retorno de Saturno que podemos aproveitar para sermos mais responsáveis e focados em alguma meta, independente da sua idade e do seu momento de vida, esse astro pode estar atuando indiretamente em alguma pressão interna que você está sentindo. E aí, você pode escolher se vai usar isso para ficar longe de atitudes insensatas e melhorar seu foco e produtividade ou vai se deixar levar pelo medo de fracassar e ficar totalmente estagnado.

Podemos aprender com o signo de Capricórnio nesse ponto. Cada signo tem um astro que o rege, e justamente Saturno é considerado o “padrinho” desse signo. A simbologia de Capricórnio é a da cabra que sobe a montanha se adaptando ao terreno até chegar ao topo. Sobe de joelho, pula ali, aqui, pacientemente, estrategicamente ela sobe e chega em sua meta. O foco de Saturno aqui tende a fazer esse signo se sentir pressionado a se preocupar com a queda? Sim, mas de forma equilibrada o incentivo principal aqui é a disciplina, é descobrir formas de persistir, valorizando nossas experiências do passado para saber nossos limites e como usar as demais energias do mapa sem cair na primeira dificuldade. Pensar excessivamente no medo tende a fazer isso, a cabra não fica observando o chão quando pula e sobe, ela olha para o próximo degrau, olha para o céu, olha para as outras cabras que a estão acompanhando.

A adaptação de Lars para evitar acidentes e preservar sua família tira todo o conforto, a possibilidade de mudanças e também as relações interpessoais. Ele pensa apenas na sobrevivência básica, até que uma de suas filhas começa a apresentar depressão tamanho isolamento e quase morre. Lars não contava com isso, esperava um inocência, um alagamento, assaltantes... mas não esperava que o emocional de sua filha precisava mais do que uma existência segura dentro de uma cápsula completamente isolada do mundo. Claro que é um conto fantástico, mas muitas vezes escolhemos essas "cápsulas" em trânsitos de Saturno no nosso mapa, queremos nos preservar tanto que cristalizamos nossas experiências, especialmente as interpessoais ou as que parecem depender de algo muito maior que nós (trabalho, economia, regras sociais, por exemplo).

Sobre o podcast

Inspirada nesse conto e tema, chamei a Patricia Antunes para falar sobre como funciona o medo no nosso dia a dia em um Podcast. Conforme conversávamos, percebíamos que os nossos exemplos eram sempre sobre mercado de trabalho e resolvemos então falar lá só sobre isso.

Em questão de ciclos globais, estamos por um momento astrológico em que tendemos a sentir muita pressão para repensar nossos meios produtivos. Plutão está em Capricórnio desde 2008 (aprox.) e Saturno está nesse signo desde o final de 2017 (aprox.) . Os dois astros farão o que chamamos de “grande conjunção” em breve e sem dúvida as questões iniciadas com a crise econômica de 2008 tendem a vir à tona. Bem, já estão vindo à tona.

Vou falar mais sobre isso no próximo post aqui no blog, mas escutem o podcast e tragam perguntas para eu complementar a escrita!

Ah, e quero deixar muito claro aqui que não estamos menosprezando os medos de vocês, especialmente nessa área. Estamos apenas lembrando que tendemos a focar sempre no que falta, e isso pode nos oprimir, nos paralisar. Temos que tomar cuidado com o quanto nosso pessimismo pode nos travar a achar novas soluções, saídas práticas para o que nos incomoda, ou também o quanto podemos aproveitar um momento de maior tranquilidade para mirar melhor no nosso próximo objetivo.

Até o próximo post!

 

Como estão seus medos hoje? Vou colocar aqui como inspiração um vídeo do TED que sempre indico para clientes que estão passando por trânsitos assim!

"Por que devemos definir nossos medos ao invés de definir nossas metas?"

 

O conto Lars Farf, pai e marido excessivamente temeroso de George Saunders saiu aqui no Brasil pela CosacNaif. A coletânea tem um nome gigantesco:

“Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas e algumas outras coisas que não são tão sinistras, quem sabe, dependendo de como você se sente quanto a lugares que somem, celulares extraviados, seres vindos do espaço, pais que desaparecem no Peru, um homem ...” compre aqui.

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